terça-feira, 1 de setembro de 2009

A arte esquecida da caligrafia

A arte esquecida da caligrafia
Umberto EcoDo The New York Times
Recentemente, dois jornalistas italianos escreveram um artigo de jornal em três páginas (portanto, impresso) sobre o declínio da caligrafia.
A esta altura já se sabe: A maioria das crianças - com o uso dos computadores e mensagens de texto via celular - não sabe mais escrever à mão, a não ser em suadas letras maiúsculas.
Um professor disse em uma entrevista que os alunos também cometem inúmeros erros de ortografia, o que revela um outro problema: Médicos sabem ortografia, mas escrevem mal; e até o mais experiente calígrafo pode escrever "concerto" em vez de "conserto".
E conheço crianças cuja caligrafia é muito boa. Mas o artigo fala de 50% de crianças italianas - então, eu acho que, graças a um destino indulgente, eu me encaixo nos outros 50% (o que casualmente ocorre comigo na política também).
A tragédia começou muito antes da chegada do computador e do telefone celular.
A caligrafia dos meus pais era um tanto angulosa pela maneira com que o papel era apoiado, e suas cartas eram, pelo menos para os padrões de hoje, pequenas obras de arte.
Na época, algumas pessoas diziam - provavelmente as que tinham letra feia - que a arte da caligrafia era para os tolos. É óbvio que uma boa caligrafia não pressupõe necessariamente inteligência. Mas era muito prazeroso ler anotações e documentos escritos da forma mais tradicional.
A minha geração foi ensinada a ter boa caligrafia, e passávamos os primeiros meses da escola primária aprendo o contorno das letras. O exercício foi depois considerado fútil e repressivo, mas ensinou-nos a manter nossos pulsos firmes na hora de usar a caneta e a escrever as letras firmes e espessas de um lado e precisas de outro. Bem, nem sempre - por causa das canetas-tinteiro, cuja tinta encharcava nossas mesas, cadernos, dedos e roupas, e que deixava uma mancha na caneta que levava 10 minutos de contorcionismo para conseguir remover.
A crise começou com o advento da caneta esferográfica. As primeiras esferográficas também faziam sujeira, e logo depois de escrever, se você passasse o dedo pelas últimas palavras, criaria um borrão. E as pessoas não sentiam mais interesse em escrever bonito com uma esferográfica, mesmo as melhores, porque acharam que a escrita perdia a alma, o estilo e a personalidade.
Por que deveríamos nos envergonhar de passar a boa caligrafia adiante? A capacidade de escrever bem e rapidamente em um teclado encoraja o pensamento rápido e, muitas vezes (mas nem sempre), o corretor ortográfico sublinha os erros.
Apesar de os telefones celulares terem ensinado às gerações mais jovens a escrever "Onde tá VC?" em vez de "Onde está você?", não esqueçamos que nossos ancestrais ficariam chocados em saber que escrevemos "farmácia" em vez de "pharmácia" e "ele" em vez de "êle". Os teólogos medievais escreveram "respondeo dicendum quod", o que faria Cícero revirar no túmulo.
A arte da caligrafia nos ensina a controlar nossas mãos e encoraja a coordenação entre a mão e o olho.
O artigo de três páginas aponta que a escrita à mão nos obriga a compor a oração mentalmente antes de escrevê-la. A resistência da caneta no papel realmente nos faz parar para pensar. Muitos escritores, mesmo acostumados a trabalhar em computadores, prefeririam certamente um método de escrita mais lento para que pudessem pensar com mais calma.
A realidade é que os jovens irão escrever em computadores e celulares cada vez mais. Ainda assim, a humanidade aprendeu a redescobrir na forma de esportes e prazeres estéticos, alguns antigos costumes que a civilização eliminou.
As pessoas não viajam mais a cavalo, mas fazem aulas de equitação; mesmo com os iates a motor, muitas pessoas continuam tão devotadas a barcos à vela quanto os fenícios há 3.000 anos; há túneis e estradas de ferro, mas muitos ainda gostam de caminhar ou escalar os Alpes; as pessoas colecionam selos, mesmo na era do e-mail; nossos exércitos vão para a guerra munidos de rifles Kalashnikov, mas também participam de torneios pacíficos de esgrima.
Seria bom se os pais mandassem as crianças para escolas de caligrafia para que eles pudessem participar de competições e torneios - não apenas para adquirir conhecimento sobre a beleza, mas também para o seu desenvolvimento psicomotor. Essas escolas já existem; basta procurá-las na internet. E talvez para aqueles que têm mão firme e não têm emprego fixo, ensinar essa arte pode tornar-se um bom negócio.
Umberto Eco é filósofo e escritor. É autor de "A Misteriosa Chama Da Rainha Loana", "Baudolino", "O Nome da Rosa" e "O Pêndulo de Foucault". Artigo distribuído pelo The New York Times Sybdicate.

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